A religião, a religiosidade e os sistemas religiosos
A humanidade sofre com o desconhecimento das causas dos seus problemas. Este sofrer lhe remete a uma busca desesperada por soluções, por mitos e ou santos que lhe propiciem curas milagrosas, bem como soluções inesperadas para problemas previsíveis. Surge neste momento a Religião.
O que é Religião e o que chamamos de religiosidade?
A Religião é um processo relacional desenvolvido entre o Homem e os poderes por ele considerados sobre humanos, no qual se estabelece uma dependência ou uma relação de dependência. Essa relação se expressa através de emoções como confiança e medo, através de conceitos como moral e ética, e finalmente através de ações (cultos ou atividades pré estabelecidas, ritos ou reuniões solenes e festividades). A Religião é a expressão de que a consciência humana registra a sua relação com o inefável, demonstrando a sua convicção nos poderes que lhes são transcendentes. Esta transcendência é tão forte, que povoa a cultura humana.
Alguns teólogos defendem a idéia de que: “A Existência de Deus é uma necessidade”, no entanto queremos enfatiza-la como “A Necessidade”, porque nenhuma outra por mais sublime que a seja, equiparasse com a existência da “Vida de todas as vidas”. Podemos compreender que através da aceitação de Deus ou de um ser sobre humano, o ser humano consegue atribuir sentido metafísico às coisas. Sentido este que exorta a extrapolação do sensorial. Fora disto, tudo é vazio e não há compreensão que abarque a “inexistência como existente” e o acaso como responsável por todas as coisas.
Haveremos, porém, de considerar que as coisas metafísicas no sentido adotado exigem uma percepção metafísica. Exigem por si só, funções mentais não cognitivas que possibilitem ao Homem abstrair do mundo como ele está. Muitas vezes a percepção advinda destas faculdades, levam a percepções que fogem ao senso comum ou a percepção das massas. Diante deste paradoxo, o Homem que vivencia o Processo Religare (a dinâmica de desenvolvimento da consciência superlativa, em direção ao criador) é comumente chamado de louco, como se os outros que não enxergam o que ele vê não o fossem, em verdade.
Alguns Homens se consideram capazes de estabelecer uma espécie de intermédio nesta dinâmica, no entanto, estes Homens desconhecem que todo criador deixa grafada em sua obra, uma assinatura que o diferencia dos outros. Queremos dizer com isto, que a relação do criador cósmico com a criatura, deixa uma relação implícita ao ser humano. E é esta relação, que é verdadeiramente, a Religião.
Então o que se vê institucionalizado em: Templos, Congregações, Núcleos, Igrejas e Centros não são a Religião porque esta é um processo pessoal, mas um Sistema Religioso. Toda referência à palavra Religião feita neste texto, será uma referência à expressão: Processo Religare, que enfatizamos ser a dinâmica de ampliação dos níveis de consciência para percepção da divindade.
Um sistema religioso é caracterizado por elementos que expressem Religião, mesmo que este não seja o seu objetivo. Todo e qualquer sistema filosófico e científico que contenha elementos de Religião, é um sistema religioso. Observamos diante disto que muitas coisas podem ser elementos de Religião. Os livros sagrados, os marcos históricos, os personagens históricos, alguns objetos (santo Graal, lança sagrada, cruzes,...), são todos eles fonte de Religião, mas podem gerar ou não religiosidade.
A religiosidade é uma qualidade do indivíduo que é caracterizada pela disposição ou tendência do mesmo, para perseguir a sua própria Religião ou a integrar-se às coisas sagradas. Precisamos diferir o ser possuidor de religiosidade, do religioso, que é fruto do sistema religioso.
O religioso é um fanático, que não compreende e não respeita o Processo Religare do próximo. Ele se torna intolerante e não aceita as práticas religiosas de outros indivíduos, considerando o seu caminho único e inquestionável. Acontece, com isto, que alguns sistemas religiosos podem gerar indivíduos de religiosidade, mas como os religiosos se apegam ao poder e as fórmulas, tendem a manipular as mentes atormentadas e sofredoras, obrigando a todo aquele que não esteja em sintonia com seus ideais a se tornarem submissos. Daí as crises e a intolerância religiosa. Os religiosos são de fato os grandes causadores de problema, aliados aos seus sistemas religiosos.
Não raro observamos este ou aquele sistema religioso apregoar ser o caminho de transformação da humanidade. Em verdade ele poderá ser "Um caminho" e não "O caminho" por que um sistema expressa as necessidades dos elementos constituintes do seu conjunto. Em decorrência disto não existe o melhor sistema religioso, mas o que mais se adeque ao entendimento e ao despertamento de consciência do indivíduo que o procura.
Existem nos sistemas religiosos, alguns elementos de Religião que podem ser autênticos. Estes elementos podem despertar a Religião, mas que com o tempo podem degenerar, porque para compreender o Processo Religare, é necessário transportar a consciência para um patamar mais desenvolvido.
Os estudiosos separam a prática religiosa do sistema religioso. Esta primeira pode inclusive conter dissonâncias críticas da segunda, destoando em idéias e em implementações da proposta dos seus criadores. Por isto, defendemos a posição de que o cristianismo primitivo foi perdido, por que ele foi adulterado pelos Homens, que dão sua própria interpretação daquilo que não compreendem. Mas, enquanto as palavras e as idéias não são respeitadas e enquanto o ser humano se apega a práticas exteriores e não vivência elas no seu interior, ele será sempre um ser a parte da criação e Deus será o déspota cruel, que manipula o Homem ao seu bel prazer.
Dissemos que a Religião (do grego religare) é o processo de interligação do ser humano com o criador. Mas afinal de contas, será que o Homem está separado de Deus? Então qual o real significado do Processo Religare ou Religião?
Desde o término do século XIX, muitos estudos científicos ficaram voltados ao entendimento da chamada consciência. É bem verdade que a grande maioria deles, complicou muito mais o entendimento do que outra coisa. Quando exortamos a expressão consciência, queremos nos referir a capacidade do ser humano relacionar-se com o mundo exterior, de forma: equilibrada, harmônica e plena. Então, toda relação consciente propicia ao indivíduo:
· O desapego de si mesmo e do outro,
· A compreensão do contexto o qual experimenta,
· A acessibilidade dos registros mentais, concernente à diversidade de experimentações nos planos do existir do Homem (Espírito, Alma e Corpo Físico);
· A integração e o desenvolvimento com as faculdades do ser.
Esta consciência é então, fruto da relação do ser consigo mesmo, com o seu próximo e com o criador. É bem verdade que o influxo cósmico do criador, exerce uma dinâmica “inconsciente”, isto é, a relação de Deus com o Homem, é imanente a natureza humana, enquanto as relações: consigo mesmo e com o próximo, são aprimoradas no próprio viver. Podemos concluir que é mais natural relacionarmo-nos com Deus, do que conosco ou com o próximo, por que somos naturalmente divinos e não naturalmente humanos. A questão é: até identificarmos isto, nos portamos mais como animais do que seres humanos ou deuses.
O estado de humanidade é uma qualidade adquirida pela alma, pelo somatório das suas faculdades físicas, psíquicas, morais e espirituais. Podemos dizer, que a grande maioria dos indivíduos são potencialmente humanos, porque estão munidos das qualidades necessárias para tal, mas não a usam.
O Processo Religare nada mais é do que o desenvolvimento das faculdades psíquicas da alma, que o tornem sensível à percepção da sua relação com Deus. Logo, entendemos diante disto, que não nos afastamos de Deus, mas nos relacionamos com ele inconscientemente, sendo que o nosso verdadeiro trabalho é conscientizarmo-nos desta relação, para tornarmo-nos merecedores de suas benesses.
Deste entendimento, podemos inferir que há um desenvolvimento da humanidade do Ser, que lhe remete a um estado “além-do-homem”, parodiando o filósofo alemão. O Processo Religare nos remeteria diretamente a uma transição do Ser, ao vir a Ser, que levaria o ser a uma divinização, ou melhor, a um estado de imutabilização ou iluminação. Entendamos, que imutabilizar-se não significa ser imutável, que é um atributo divino, mas harmonizam-se com a vibração cósmica Dele.
Diante disto, poderemos concluir que este relacionamento não é passivo, mas ativo, acarretando por isto em algumas seqüelas. Estas seqüelas são apercebidas a nível subconsciente e “vazam” para a chamada consciência objetiva. A consciência objetiva é o estado de percepção mental o qual captamos impressões sensoriais e traduzimos em informação (ou experiência). As seqüelas que vazam do subconsciente para a consciência objetiva, são em verdade “somatizadas” (transferidas do estado psíquico para o físico).
Desta relação entre a consciência cósmica e a consciência objetiva, surgem os sonhos e as alucinações, que acarretam em alterações na consciência humana. É bem verdade que existem outros fatores de alteração dos padrões de consciência, mas podemos afirmar que o estado evolutivo da alma é mensurado pela qualidade de seu sono e pela sua capacidade de aperceber-se da realidade.
Enquanto estamos dormindo, a alma se encontra liberta das estruturas físicas que a aprisionam, deixando aflorar o padrão simbólico “subconsciente” ao qual o ser humano está afim. Esotericamente, dizemos que a consciência cósmica (ou inconsciente coletivo) emana um padrão vibratório superior, mas o Ser Humano apenas captará a freqüência vibratória correlata ao seu grau de consciência. Daí, quando a alma está liberta ou estamos adormecidos materialmente, captamos a imagem que realmente nos atormenta ou nos liberta. Concluímos com isto, que os pesadelos ou os belos sonhos são expressões do subconsciente, daquilo que realmente desejamos. A partir do reconhecimento destes desejos do subconsciente, direcionamos o padrão comportamental de nossa existência.
Em contrapartida, quando estamos acordados, as faculdades sensoriais ou objetivas, se tornam o nosso alicerce a percepção das coisas como elas estão. Entendamos que tudo no universo possui movimento, movimento este que expressa o grau evolutivo das coisas como elas estão. Se, estivermos em harmonia, concentrados no objeto que desejamos nos apercebermos, os nossos sentidos o captarão de maneira totalitária. Caso contrário, os nossos sentidos tenderão a fragmentar a informação, que será composta pelo cérebro humano. Estas informações fragmentárias, revelam parcialmente a natureza do objeto como ele é e das coisas como elas são, fazendo o indivíduo ter uma percepção relativa do mundo que o cerca. Queremos dizer com isto que: para se ter um olfato pleno, não basta apenas captar o cheiro exalado por um objeto, mas concentrar-se com todos os sentidos no que ele é. Desta forma, a natureza das coisas se descortinará o Ser Humano, aflorando então a consciência cósmica.
Desta dinâmica entre a consciência cósmica e a consciência objetiva, podemos compreender que acarretam alterações comportamentais. Estas alterações comportamentais desencadeiam as famosas nóias, ou estados comportamentais (a ortonóia - estagnação mental, a paranóia - perturbação mental, a metanóia -iluminação).
Toda existência do Ser Humano é pautada nesta dinâmica, mas podemos nos aperceber com mais intensidade no simbolismo arcaico das religiões.O simbolismo arcaico das religiões é o arcabouço dos símbolos de Religião, adotados pela humanidade como fontes de religiosidade.
Ao estudarmos a gênese descrita nos livros sagrados dos sistemas religiosos, observamos alguns elementos similares, frutos de uma fonte comum. Estes símbolos se tornaram sagrados para a humanidade (ou parte dela). Uma coisa interessante é quando o símbolo deixa de ser estático ou inativo e passa a ser um elemento ativo do sistema religioso, através das ritualísticas e práticas religiosas.
As ritualísticas e as práticas religiosas se tornam referências sociais e marcos que podem atrasar ou impulsionar um grupo social, a grandes mudanças comportamentais. É importante ressaltar, que muitas vezes a apreensão e o entendimento dos princípios envoltos na ritualística e nas práticas religiosas nos são desconhecidos por muitos, tornando a sua prática mecânica e dissociada do seu principal objetivo que é o de despertar uma compreensão superlativa a cerca da vida e da existência do indivíduo. Daí a surgir o fanatismo religioso e no outro extremo o ateísmo e a heresia, que no fundo são a mesma coisa: indivíduos que não compreendem a prática de um ou vários sistemas religiosos.
Pelos motivos acima citados, o sagrado torna-se vultuoso. O sagrado é tudo aquilo que é consagrado à divindade, que possua uma referência ou simbolismo venerável. Um objeto, um rito, uma pessoa, que sejam considerados sagrados e se tornam referência, fruto de admiração e de cobiça, seja no plano do ter, seja no plano do estar ou ainda do equivaler-se.
Autores:
Cláudio Manoel Nascimento Gonçalo da Silva
Davi Silva Almeida