O LUGAR FÍSICO, NÃO O GEOGRÁFICO, DO
NASCIMENTO DE JESUS.
Fernando Gondim [1]
Dos Ev.
sinóticos apenas Mt e Lc relatam detalhes do nascimento do esperado Messias de
Israel. Ambos o fazem de maneiras distintas e de acordo com os
destinatários. Mt, que foi discípulo de
Jesus, narra o texto evangélico para os
judeus-cristãos os quais esperavam o
Messias; Lc não conheceu Jesus e foi “convertido” pelas pregações
paulinas e o autor destas, Paulo, também não
conheceu Jesus. Podemos aplicar a estes, genericamente falando, o que
diz o próprio Lucas em At 2, 42: “[...] ouviam o ensinamento dos apóstolos”.
No
texto de Lucas em questão o redator diz no cap. 2, v. 7 que Maria deu à luz a
seu filho e o depositou em uma manjedoura, pois não havia lugar para eles
(Maria e o menino récem-nascido) na sala (?), da casa, da hospedagem... Com
todo texto tem seu contexto e sua frase principal, a deste texto lucano é de
uma importância histórica e teológica única e a frase principal é o v. 7. Vejamos:
Por que não havia lugar para ela na “sala comum”.
Isso pode ser comentado assim: o lugar de alguém que estava para dar à luz não
era na sala comum. Na tradição bíblica, quem dava à luz era impura por 40 dias
se dela nascia um menino e por 80 dias se fosse uma menina. Além disso, a
mulher transmitia a sua impureza aos outros. Por isso as mulheres que
observavam a Lei preferiam retirar-se a um lugar discreto para não complicar a
vida dos outros. (Cf. http://www.abiblia.org – acessado em 21.12.17, as 11h34m). [2]
Se em Mt 1, 19 é dito que José era justo por
assumir a paternidade messiânica de Jesus, como pai adotivo, implicitamente o autor do texto lucano afirma
isto à Maria. Ela era cumpridora da Torá judaica. Ora, se como o texto de Lc afirma que por ordem do imperador romano,
César Augusto, todos os moradores do Império Romano, eram obrigados a voltarem
à sua cidade de origem para que fosse feito um recenseamento (para ser feito as
cobranças dos impostos), José era de Belém de Judá e, provavelmente tinha
parentes naquele lugar e para lá levou a esposa grávida. No texto de Lucas em
questão, o v. 7 termina coma a palavra kataluma, que é traduzida por sala ou quarto. [3] Assim,
por força das circunstâncias religiosas vistas acima, Maria não poderia ficar
em um local com pessoas instaladas, pois “cumpriu-se o parto” e, como já vimos,
a Torá proibia aquela mulher grávida e em “trabalho de parto”, estar junto de
pessoas, pois, a mesma estava impura e iria contaminar as outras. Por isso as
mulheres que observavam a Lei preferiam retirar-se a um lugar discreto para não
complicar a vida dos outros.
E quanto ao “local físico” onde Maria deitou o
recém-nascido? O texto em questão diz que o menino foi enrolado em panos e o
deitou en faten, literalmente: dentro de um cocho.[4] Ora, o
cocho é um local de madeira ou mais, rústico escavado no chão ou na pedra, onde
se colocava a comida dos animais do estábulo, especialmente o gado e, no caso
dos judeus, dos jumentos, pois á época do domínio romano, só quem andava a
cavalo eram os soldados romanos, pois os dominantes. Uma curiosidade: o
versículo 7 do texto aludido não registra o nome da mão do menino e nem o do
“pai” adotivo, no caso os nomes de Maria e de José, por dois motivos.
A)- José não poderia estar com ela na hora da
parição, senão ficava imundo, impuro e contra a Torá, a lei religiosa judaica.
B)- Se ela estava suja de sangue, nem no texto “marcou presença” com seu nome,
pelo mesmo motivo. Assim o texto do citado versículo diz que “deu a luz a seu
filho primogênito e o enrolou em panos”. Implicitamente refere-se à Maria e, no
contexto, ela pariu seu filho sozinha!
A presença do burro e do boi, nas tradições
cristãs posteriores, (ver São Francisco) na manjedoura explica a citação de
Isaías 1,3: “[...] o boi conhece o seu proprietário
e o burro a manjedoura do seu senhor. Israel não sabe, o meu povo não entende”.
O evangelho apócrifo do Pseudo Mateus lembra este versículo. Quanto
à data do nascimento do menino Jesus, não há uma “certeza” histórica a
respeito. Com a divulgação da fé cristã pelo mundo de então, vários ritos
pagãos foram se integrando ao ritual cristão e distorcendo as origens da fé
cristã. A data que atualmente celebramos, foi escolhida pelo Papa Libério em 354 e, à época celebrava-se o
solstício de inverno e era o dia “sagrado” do “divinus solus invictus”, o
invicto deus sol para os romanos. Há, na data escolhida, uma ligação teológica
muito forte com uma afirmação bíblica do profeta Malaquias 4, 2, que diz: "Mas, para vós que temeis o meu nome, nascerá o SOL DA JUSTIÇA, e salvação trará
debaixo das suas asas”.
[1] Fernando Gondim é graduado e
pós-graduado, (Lato Sensu), em Ciências da Religião, pela UVA e pelo ICRE,
respectivamente.
[2]
Ver o texto bíblico a respeito: “O Senhor disse a Moisés
para dar as seguintes instruções ao povo de Israel: ”Quando
nascer uma criança, se for menino a mãe ficará impura por sete dias, sob as
mesmas restrições que durante os seus períodos menstruais. No oitavo dia o
menino será circuncidado. E durante os trinta e três dias seguintes, enquanto a
mãe recupera da sua impureza ritual, não deverá tocar em nada que seja sagrado,
nem entrar no tabernáculo. Se for uma menina que
tiver nascido, a impureza da mãe prolongar-se-á por duas semanas, durante as
quais ficará sob as mesmas restrições que durante os seus períodos regulares.
Depois, durante mais sessenta e seis dias continuará a recuperar da sua
impureza”. (Lv 12, 2-4). Obs: a perda de sangue, e no caso a mulher e, por qualquer motivo, a tornava imunda e as
pessoas não podiam nem vê-la e nem tocá-la. Tudo em que ela tocasse ficaria
imundo também. Isto na tradição judaica á época, pois no tempo dos patriarcas,
há relato de que a mulher paria sentada nos joelhos de uma outra e era
assistida por uma parteira.
[3] RUSCONI, Carlo, Dicionário do Grego do Novo Testamento, Paulus, 203, p.254.
[4] Idem p. 479. A Bíblia do Peregrino, de Pe. Alonso
Schökel, biblista espanhol, em comentário ao texto em questão, nota ao cap. 2,
v7, p. 2457, ao referir-se ao local “físico” onde for colocado o menino, diz
que se trata de uma casa encravada na rocha ou de uma gruta adaptada como
moradia para uma habitação familiar e um recinto contíguo com um estábulo. (BP,
Paulus, Paulus, 2002).
Nenhum comentário:
Postar um comentário