Francisco de Souza Brasil
A Religião se caracteriza por uma concepção de universo na qual se nega que o mundo dos sentidos seja suficiente e adequado, reconhecendo uma realidade transcendente. No campo do estudo da Religião como expressão psicossocial temos três disciplinas diferentes: a hierografia (que trata da história das religiões), a hierologia (que trata da psicologia das religiões) e a hierosofia (que trata da filosofia das religiões). As duas primeiras podem ser estudadas amigavelmente por pessoas de convicções diversas . A última, entretanto, não pode, por causa dos juízos de valor sobre o que seja verdadeiro ou não. O principal atributo do sobrenatural é o Poder, seguido de perto pelo Maravilhoso. O sobrenatural pode ser relacionado a objetos ou a fenômenos. Ou assumir formas antropomórficas ou até antropozoomórficas, como no politeísmo. Finalmente, o sobrenatural pode ser relacionado em sua forma mais sublime, na crença de um Deus único, criador do mundo e, portanto, pré-existente a ele. Religião e magia Em qualquer religião o elemento mágico (simbólico) está presente. O símbolo é uma evocação de algo que ele passa a representar. O que diferencia o símbolo religioso do símbolo laico é o elemento mágico, que simboliza o sobrenatural. Não se deve confundir religião com magia, pois a religião é uma expressão sublime do gênero humano, enquanto a magia é uma forma mais simplória, ou até grotesca, do relacionamento do homem com o sobrenatural. Paradoxalmente, o elemento mágico se apresenta até em posturas ateístas: Augusto Comte, ao anunciar aos homens o Estado Positivo, que se sucederia ao Estado Metafísico, terminou por criar uma religião sem Deus, a Humanidade. Ela teria um símbolo antropomórfico, o da sua esposa, Clotilde de Vaux. Na simbologia, a distinção entre o laico e o religioso às vezes se situa numa zona nebulosa. O símbolo laico pode despertar emoções coletivas mais parecidas com a de um símbolo religioso. Isso pode se dever a um nacionalismo exacerbado, que leve ao culto de um símbolo, como a cruz suástica. Ou também, a uma religiosidade subjacente de um grupo social tornado laico à força, como o povo russo e seu relacionamento com o cadáver de Lênin durante o regime soviético. A magia se distingue da religião porque nela o homem julga poder conduzir o sobrenatural . Se o mundo natural está sujeito a leis imutáveis, o sobrenatural poderia ser coagido a dobrar-se à vontade humana por práticas ritualísticas. A magia se situa entre a religião e a ciência, mas é independente de ambas. Religião e magia operam no sobrenatural e como na ciência, que, entretanto, opera no campo natural, a magia sistematiza causas e efeitos, porém de natureza subjetiva, e não objetiva como na ciência. Enquanto a realidade científica é comprovada, as conexões mágicas são ficções de conteúdo emocional, de resultados inverificáveis, ou atribuíveis a efeitos psicossomáticos ou coincidências. Em relação ao sobrenatural, a religião o conceitua, a magia o domina e a ciência não o repele, até porque esta última nasceu da magia. O conteúdo da religião A religião tem elementos intelectivos, afetivos e ativos. Os elementos intelectivos representam a crença, que conduz ao dogma. Os afetivos englobam os estados emocionais. Os elementos ativos conduzem ao culto e ao ritual. Em outras palavras: a crença é o que se crê; a emoção é por quê se crê; o ritual, como se crê. A crença corresponde a uma expectativa. No caso da Religião, a crença é a convicção da realidade de algo, baseada em motivos julgados subjetivamente como suficientes. Se acrescentarmos à crença intelectiva um elemento de confiança, teremos a fé. O dogma é a cristalização da fé em doutrina, num ensinamento definido e imposto pela autoridade religiosa. Por isso, o dogma é incontestável e indiscutível. Substitui a certeza objetiva da prova pela certeza subjetiva da fé. Os elementos afetivos são respostas culturais destinadas a liberar o homem do temor de um mundo que lhe pode ser adverso. Reconfortado pela fé, com sua moral elevada, o homem pode agir em condições mais favoráveis. O misticismo representa a culminação da experiência religiosa, pois corresponde à identificação mais próxima possível do crente com o seu Deus. Uma das suas características fundamentais é de não ser um fenômeno provocado voluntariamente pelo indivíduo. Ele é imposto, acarretando uma alteração involuntária da consciência. Para que o iluminado atinja a identificação com o inefável não basta a experiência religiosa, já que os elementos intelectivos (crença, fé e dogma) terão que interagir. Essa interação também está presente, tanto na magia, em formas grosseiras de fetichismo, como em São João da Cruz e em Santa Tereza de Ávila. Os elementos ativos se exteriorizam na experiência de algo, sem querer reproduzi-lo ou repeti-lo. Mas o dogma pode afirmar a repetição: a Transubstanciação não é uma evocação da Santa Ceia, mas é a própria Santa Ceia que se repete a cada celebração da Missa. Simbologia A simbologia é um elemento ativo, uma condensação de energia maior do que a aparente trivialidade da sua forma. Ela ocorre no mundo religioso diante da imagem do Jesus crucificado como no mundo laico, ao observarmos a bandeira ou o Hino Nacional. O ritual como simbologia também não é exclusivamente religioso. Existe nos atos jurídicos solenes, como o casamento civil. Alguns rituais são simultaneamente religiosos e laicos, como a coroação do Papa ou do Rei da Inglaterra. Mais do que chefes de estado, eles são chefes religiosos, e dotados de poderes temporais e espirituais. Dada a carga emocional ou afetiva, é no campo da religião que os elementos ativos atingem sua expressão máxima. O mundo sobrenatural, invisível e poderoso, exige do crente uma atitude de respeito que se manifesta no ritual, carregado de emoção. Nas crises, a religião é um meio social de ajustamento, e seus rituais são a sua técnica. O fenômeno religioso é uma das forças sociais mais conservadoras, sustentando-se firmemente na tradição, sendo raras as transformações religiosas. Quando elas se operam, ocorrem geralmente nos elementos ativos, incorporando rituais de outras religiões. Raramente ocorrem nos elementos afetivos, mas, quando acontecem, é por influência da adoção de elementos ativos, como nas evangelizações. No caso dos elementos intelectivos, as transformações religiosas são consideradas heresias. Elas são revolucionárias, representando uma ruptura súbita com o passado. A desaparição das religiões é mais completa do que a de outros fenômenos não religiosos. Ninguém mais cultua os deuses gregos e romanos, mas o Direito Público e o Direito Privado ainda se inspiram no que Grécia e Roma produziram. O inconformismo artístico é punido menos severamente que o religioso, já que a arte evolui de formas múltiplas, mas pouco bruscas, havendo evolução gradual nos estilos. No máximo, há o sofrimento individual de artistas, como Beethoven e Van Gogh. Mas, isso não gera guerras ou genocídios. Há explicações teístas e ateístas para o fenômeno religioso: Para a psicanálise, o elemento erótico estaria na origem do sentimento religioso. Para a psicologia, o estado de religiosidade teria natureza emocional, decorrente de causas fisiológicas. Para a sociologia, a religião pode ser entendida como um sistema de crenças transmitidas pelo grupo por representações coletivas. A tese teísta se fixa na Causa primeira, a Causa das causas. Não se limita às relações, campo das teses ateístas e cientificistas, mas recua a um Princípio incriado, criador de tudo e de todos. Ciência e fé não são opostas, mesmo que a História tenha registrado antagonismos exteriorizados até com violência. Cada uma delas age num plano, e a comparação entre realidades tão diferentes não faz sentido. Fé não é fanatismo, que se traduz na perversão da fé, fruto talvez da limitação humana que nos foi imposta pelo pecado original. É preciso considerar também que o fanatismo não é uma atitude exclusiva nos que crêem no sobrenatural. |